Diz Que é Uma Espécie de Decreto Absurdo
Em 1999, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 565/99, seguindo directivas europeias, Portugal reconhecia a gravidade do problema das espécies invasoras e as suas nefastas consequências para a preservação da biodiversidade do nosso país.
Seguindo o mais elementar bom senso, o referido decreto é particularmente restritivo quanto a formas que possam contribuir para a propagação de espécies cujo carácter invasor foi já devidamente demonstrado no território nacional. Tal é o caso da robínia (Robinia pseudoacacia L.), espécie originária do centro e leste da América do Norte, classificada como espécie invasora no nosso país, pelo citado decreto-lei, estando, deste modo, proibidas novas plantações da mesma (incluindo em ambiente urbano).
Vem esta introdução, a propósito dos objectivos da Câmara Municipal de Lisboa para a tão polémica requalificação do Jardim do Príncipe Real, publicitados numa notícia do jornal Público, de substituir algumas robínias por exemplares da mesma espécie.
A robínia é uma espécie relativamente comum, como ornamental, em Portugal. Foi introduzida no nosso país, e plantada com esse e outros objectivos, numa altura em que se desconhecia, obviamente, que anos mais tarde se iria tornar numa espécie invasora, ocupando áreas extensas e interferindo com os ecossistemas.
Actualmente, não está em curso nenhuma caça às bruxas no que toca às robínias, ou seja, não há nenhum plano para abater todos os exemplares ornamentais desta espécie, distribuídos pelas urbes do país. Pelo contrário, e seguindo o espírito do Decreto-Lei n.º 565/99, o que é expectável é que estes espécimes sejam progressivamente substituídos por outras espécies sem carácter invasor.
Era o que seria de esperar no caso do Príncipe Real. Até porque esta é, antes de mais, uma questão de princípio. As câmaras municipais devem, dando o exemplo, respeitar a lei para que, deste modo, possam ter alguma autoridade, inclusive do ponto de vista moral, para exigir aos seus munícipes que façam o mesmo. Acaso poderemos esperar que os cidadãos não plantem espécies declaradas como invasoras, quando organismos do Estado o fazem de forma consciente? O mesmo Estado que, diga-se de passagem, tem outros organismos que gastam dinheiro dos contribuintes a combater este mesmo problema.
Mas não… Na referida notícia, o engenheiro Carlos Souto Cruz, da Câmara Municipal de Lisboa, assume a plantação desta espécie, contrariando a lei, afirmando:
Faz todo o sentido replantá-las em jardins (…) sem que isso represente qualquer risco de propagação.Sem que isso represente qualquer risco de propagação, Sr. engenheiro?! Serão as cidades, por acaso, sistemas estanques de onde as sementes das árvores, ou de qualquer outra planta, não possam escapar por acção do vento, de animais ou do próprio ser humano? Não serão os tão apregoados corredores verdes estruturas, pela sua natureza, que facilitem essa mesma disseminação?
O que as afirmações do Sr. engenheiro Carlos Souto Cruz fazem não é mais do que relativizar este problema, transmitindo uma mensagem duplamente errada a todos os cidadãos: primeiro, o problema das invasoras não é uma questão grave e, segundo, não há problema em contornar a lei quando tal nos convém.
Sabendo que o problema da propagação das espécies invasoras depende da acção de todos os cidadãos, não consigo imaginar pior mensagem a ser passada à opinião pública do nosso país, acerca deste problema. Com a agravante de ter origem num funcionário municipal que deveria, por obrigação, conhecer as implicações do seu acto.
Mas o mais grave é que a referida notícia cita técnicos (em quê?!) ligados ao projecto de requalificação do jardim que, sem serem identificados (porque será?!), classificam o Decreto-Lei n.º 565/99 como sendo:
um absurdo e uma estupidez.Feita sob anonimato, não explicando os porquês da mesma (O que é absurdo na lei? O que é uma estupidez?) e não propondo alternativas, trata-se do grau zero da crítica.
Eu desconheço o que andam a ensinar nas universidades portuguesas a estes técnicos que desenham e requalificam, muitas vezes destruindo, os nossos jardins. Mas uma cadeira sobre espécies invasoras e as suas implicações, biológicas e económicas, parece-me bastante urgente.
Resta saber se a Câmara Municipal de Lisboa irá cumprir o que o porta-voz do vereador Sá Fernandes disse, na notícia do Público, a este respeito:
Ainda não estão plantadas e a implementação do projecto será feita de acordo com a lei.Cá estaremos para ver.
Robínias Robinia pseudoacacia na Praça do Príncipe Real por RPLerias.
Nota externa ao artigo aqui reproduzido: esta é a robinia de alinhamento do canto Oeste do Jardim do Príncipe Real, última sobrevivente do lado Sul, lado onde cortaram todas as árvores de alinhamento excepto esta. Está previsto o seu abate no projecto agora em curso, mas defendemos a sua conservação.
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